Militar feminina pode ser protegida pela Lei Maria da Penha em caso de agressão, decide TJPR
Pela primeira vez, a Lei Maria da Penha foi usada para coibir assédio dentro dos quartéis. Esse entendimento, de agosto do ano passado, foi feito pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o qual reconheceu recurso em sentido estrito para determinar a competência da Vara da Violência Doméstica para julgar um caso de violência de gênero de militar contra militar.
Dessa forma, o Tribunal usou a legislação específica após denúncia envolvendo uma policial feminina de Cascavel (PR), que alegou estar sofrendo assédio e violência de gênero de um militar superior na corporação.
A decisão inédita pode repercutir no mundo jurídico e foi noticiada inicialmente no portal especializado Conjur. Os dispositivos da Lei Maria da Penha usados foram os incisos I e III do artigo 5º:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
(...)
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
O caso inicialmente foi levado à vara especializada na cidade, com apoio da Delegacia da Mulher. O juízo alegou inicialmente não ser competente para julgar o caso, já que os envolvidos não moravam juntos. Um recurso foi apresentado ao TJPR, que decidiu por unanimidade que a Vara de Violência Doméstica tem competência para atuar no caso.
De acordo com o Conjur, no voto do relator no TJ-PR ficou nítido que as ameaças e agressões proferidas pelo denunciado decorrem da relação profissional com a vítima.
A decisão também citou a "Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher", do qual o Brasil faz parte. Esse tratado adota o entendimento de que a violência contra mulher pode ser cometida por qualquer pessoa.
Agora, o mérito será julgado será julgado na vara especializada.
Repercussão
De acordo com o presidente da Associação de Praças do Estado do Paraná (Apra/PR) e diretor da Regional Sul da Associação Nacional de Praças (Anaspra), Orélio Fontana Neto, foi uma importante decisão da Justiça do Paraná, abrindo a Lei Maria da Penha para os quartéis, em caso de assédios contra a mulher. "É uma grande luz, e o Estado do Paraná avança na questão do esclarecimento do assédio moral e sexual intramuros, dentro dos quartéis. Essa decisão unânime faz com que o caso específico tenha uma medida protetiva em busca de preservar essa policial que está sendo assediada", afirma Fontana.
Segundo o representante da entidade paranaense dos praças, a medida poderá ter efeitos jurídicos em contras esferas. "Essa decisão também servirá de jurisprudência para auxiliar outras policiais femininas que sofrem assédios em outros quartéis, tanto no Paraná quanto no Brasil", avalia. "Esperamos ainda que esse acórdão faça cessar esse comportamento assediador da chefia em cima de subordinados, dando liberdade e autonomia de ação para as policiais."
Anaspra contra assédio
A Anaspra tem uma luta histórica contra o assédio que afeta as agentes de segurança pública nas corporações militares.
Desde 2015, integrou grupo de trabalho, por meio de Portaria conjunta da Secretaria Nacional de Segurança Pública e da Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, para elaborar a cartilha orientativa sobre assédio sexual e moral, primeira ação para mudar a realidade mostrada pelos resultados da pesquisa "Mulheres nas instituições policiais".
A ideia surgiu a partir de reportagem veiculada no programa "Fantástico" da TV Globo. e da pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP) da FGV, pelo Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e pelo CRISP/UFMG, entre 12 e 16 de fevereiro de 2015, a qual apontou que 40% do total de 13.055 profissionais que responderam o questionário foram ou continuam sendo vítimas de assédio sexual ou moral, praticado, em mais de 74% dos casos, por superiores hierárquicos.
A Anaspra também promoveu um painel de debates sobre o tema no 13º Encontro Nacional de Entidades Representativas de Praças (Enerp), realizado em Florianópolis (SC), em 2017.
[Vídeo] Painel: Violência contra as Mulheres - 9/11 - Parte 1
[Vídeo] Painel: Violência contra as Mulheres - 9/11 - Parte 2